Fabiano e Caio: fundadores da Gullane (Brasil)
- Juliana Avendaño García
- 21 de fev.
- 8 min de leitura

1 - Como surgiu a Gullane e quais foram os desafios e motivações por trás de sua fundação?
A Gullane foi fundada em 1996 pelos irmãos Caio Gullane e Fabiano Gullane, que atuavam como produtores executivos e diretores de produção de diversas obras realizadas no mercado brasileiro. Inicialmente produziram curtas-metragens e, mais tarde, expandiram para longas e séries.
Em 1999, a Gullane produz o seu primeiro longa, o “Bicho de Sete Cabeças”. E nesse momento, Débora Ivanov integrou a sociedade junto com os irmãos, resultando em uma nova organização da empresa: Fabiano e Caio como sócios e diretores da produtora e Débora Ivanov como sócia e diretora de distribuição.
A principal motivação que levou os produtores a investir na abertura da Gullane, foi o compromisso com a produção, mas também com a comercialização dos projetos. Percebeu-se que na indústria brasileira, latino-americana, existia um apoio grande à produção, e um sistema de incentivo que viabilizou a criação e execução de diversas e importantes obras audiovisuais. O que a empresa percebeu foi que era possível aplicar a mesma energia, a mesma dedicação, o mesmo talento, também na comercialização. E quando se fala de comercialização, falamos de promoção no Brasil, promoção nos festivais internacionais, um bom lançamento no Brasil e vendas internacionais para diversos países. É tudo isso que move o propósito maior da Gullane, que é criar, produzir e distribuir obras brasileiras ou co-produzidas com o Brasil para o Brasil e para o mundo.
2 - Como avaliam as mudanças na indústria audiovisual brasileira e qual é a visão para o futuro do cinema nacional?
A Gullane acredita no potencial de crescimento do setor e aposta em produções com alcance global, como “Senna” (Netflix) e defende o desenvolvimento da produção nacional, reconhecendo seu impacto econômico e cultural.
No momento em que estamos hoje, em 2025, o Brasil reúne um dos principais conjuntos regulatórios de políticas públicas para o avanço e o desenvolvimento da indústria audiovisual. O país é um grande protagonista mundial no consumo do audiovisual, e isso nos dá o direito e também a obrigação de ser protagonista na produção e criação de conteúdos nacionais. É com essa visão que a Gullane inicia uma nova visão do presente para o futuro. A empresa vê com muita alegria uma abertura internacional, especialmente do mercado americano, dos mercados de língua inglesa, para produções brasileiras e de outros países de língua não inglesa.
Por exemplo, a Coréia do Sul com o “Parasita”, o “Ainda Estou Aqui” do Brasil, e tantos outros, estão chegando com mais facilidade ao mercado americano e principais europeus, conquistando mais audiências internacionais. Hoje em dia, o mercado internacional é essencial na formação das receitas dos projetos dos estúdios americanos. E isso quase os obriga a olhar para a produção local de um de uma forma mais concreta, pensando em projetos que também possam funcionar mundialmente e que não sejam só originados nos Estados Unidos. Como já vimos acontecer nas plataformas de streaming.
As plataformas alteraram muito a dinâmica do mercado audiovisual. Elas têm um papel fundamental no impulsionamento da criação e produção de conteúdos audiovisuais, especialmente séries, mas também no universo de longas metragens, no universo do cinema. E essas plataformas, com ou sem regulação, em diferentes países, têm realmente investido na relação com os mercados locais, com as produtoras e os talentos locais.
3 - Como o crescimento das plataformas de streaming impactou a Gullane e como a produtora pode continuar liderando essa nova fase da indústria?
As plataformas de streaming chegaram com muita força, e com uma capacidade importante de investimento e interesse nos públicos no Brasil e em muitos outros países. A indústria, sem dúvida, está se reorganizando com essa consolidação, e a Gullane está muito orgulhosa em ser linha de frente nesse caminho na América Latina.
A Gullane, desde o início, definiu em sua missão seu propósito para ser muito plural nos seus conteúdos, e de inovar na sua linha editorial. O que realmente nos conecta aos projetos é a qualidade do projeto, é o mergulho que aquele realizador ou realizadora faz naquele tema e história, é a emoção que aquele projeto causa. A Gullane não é fechada a nenhum gênero, a nenhum tipo de projeto, diversas narrativas de diversos gêneros, de diversos tipos de dramaturgia são bem-vindas. Nesse sentido, essa pluralidade ajudou muito a organização a se preparar para a chegada das plataformas no mercado audiovisual brasileiro e mundial.
Hoje, a Gullane tem claramente três áreas de negócio bastante definidas.
A primeira área de negócios é a parceria para produções originais junto a plataformas. Temos uma excelente relação com os principais players internacionais e nacionais que atuam no Brasil.
A segunda área é a de cinema independente, que é o grande coração da empresa. Entendemos a importância de manter a propriedade intelectual de algumas obras nas mãos dos talentos brasileiro dá mais possibilidade de gerar receitas para a indústria nacional. Celebramos o filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, produzido pela VideoFilmes, RT Features e em parceria com Mact Productions, Globoplay, Conspiração Filmes e Arte France Cinéma que representa um sucesso para o audiovisual do Brasil.
A Gullane vem produzindo projetos independentes há muitos anos, como o filme “Que Horas Ela Volta" de Anna Muylaert, “Carandiru” de Hector Babenco, “O ano em que meus pais saíram de férias” de Cao Hamburger, e diversos outros filmes independentes que fizeram uma carreira lucrativa no Brasil, fora do Brasil, além de uma carreira comercial bastante importante.
E, por último, a terceira área da Gullane é a área de distribuição, com foco atual em conteúdos brasileiros para distribuição no Brasil e para o mercado internacional.
Em todas essas áreas, sem dúvida, a relação com as plataformas de streaming e com a televisão aberta e fechada, é muito estruturante. Projetos independentes são comprados e adquiridos por plataformas e TVs, projetos que nascem com uma ambição grande internacional.
Muitas vezes a produtora propõe grande parte de seus projetos primeiro para as plataformas e TVs para sondar o interesse em produzir um original. A distribuidora tem acordos recorrentes com as plataformas para comercializar o nosso catálogo de projetos já realizados nos últimos anos.
4 - Quais estratégias são fundamentais para posicionar as produções da Gullane em festivais e mercados globais?
A Gullane tem participado de festivais em todo o mundo há mais de 25 anos, e conta com mais de 500 prêmios e centenas de indicações.
Apostamos na qualidade artística, inovação e temas universais para nos destacar. Nossos filmes são selecionados para grandes festivais nacionais e mundiais aumentando sua visibilidade.
A produtora investe cada vez mais em coproduções internacionais, distribuição global e participação em mercados audiovisuais. Além disso, prioriza marketing e parcerias para ampliar o alcance de suas obras. Filmes como “Que Horas Ela Volta?” e “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” são exemplos de sucesso global. Eles são a maior vitrine para o mercado independente, mas ser escolhido para participar de qualquer um é uma tarefa bem difícil.Os grandes festivais recebem milhares de filmes para avaliação e selecionam poucas dezenas de filmes. É uma competição realmente muito grande e mundial.
A preocupação com a qualidade, com o tema, a preocupação com a relevância da história no presente e também para o futuro, são elementos principais para que os filmes possam ser realmente considerados pelos grandes festivais e eventos.
Outro ponto chave é a manutenção dos relacionamentos criados nos festivais, desde os comitês de seleção, além de diretores, produtores e talentos. Muitas vezes os festivais têm uma ligação de longa duração com os realizadores, acompanhando todas as etapas de suas produções. Criar vínculos é essencial para manter uma presença constante nesses eventos.
Mas sabemos que grande parte dos resultados vêm da própria obra. E uma boa parte dos resultados também vem da capacidade de administrar, da capacidade de articular essa obra, e apresentar a obra ao mercado. E é nisso que a Gullane vem apostando há 25 anos, se consolidando no mercado internacional como uma produtora de conteúdos latino-americanos e co-produções com a Europa, de qualidade, competitivos para o mercado internacional, com boas capacidades de venda.
5 - Como foi o início do projeto da série Senna e qual foi sua repercussão?
A Gullane vinha num momento muito especial no início dos anos 2000. Começamos lançando o “Bicho de Sete Cabeças”, como já comentado aqui, e em seguida “Carandiru”, junto com a Sony Classics. Em seguida, produzimos e lançamos o “Ano que Meus Pais Saíram de Férias”. Ou seja, três filmes que tiveram grande sucesso no Brasil, grande sucesso internacional nos principais eventos, nos festivais, e que foram vendidos para dezenas de países. A performance e carreira desses filmes fizeram com que os sócios da Gullane se concentrassem em buscar um projeto que tivesse a chance de ser uma das maiores audiências mundiais de uma obra brasileira.
Naquele momento estava sendo feito o documentário pela Working Title sobre o Senna, que foi um grande sucesso no mundo inteiro, e aquilo nos inspirou a fazer uma grande ficção sobre o piloto. A partir daí começou uma longa jornada. Primeiramente junto com a família Senna, com a qual a produtora criou um vínculo excelente e essencial para seguir com o projeto.
A partir do de 2014, tentamos estruturar a história no formato de um filme. Então buscamos co-financiamento internacional e também financiamento no Brasil, mas em certo momento percebemos que não seria possível financiar como filme, e partimos para a opção de transformar a história em uma série, aproveitando a força das plataformas que estavam se estabelecendo no Brasil.
Em 2019 tomamos uma decisão muito sensata e importante, porque contar toda a história do Senna num único filme ia ser muito difícil. A série com seis capítulos nos deu o tempo dramatúrgico necessário, ideal para contar a história. Quando surgiu essa ideia, a Gullane firmou um acordo com a Netflix, que se interessou pelo projeto, e a partir disso o projeto começou a ser desenvolvido a quatro mãos, incluindo o Vicente Amorim, showrunner que liderou a direção artística do em parceria com a Netflix e com a Gullane.
“Senna” é sem dúvida um dos projetos brasileiros de maior audiência de toda a história. A série ficou 6 semanas no Top 10 de séries de língua não inglesa mais assistidas no mundo, foi indicada ao Critics Choice Awards e tornou-se um marco na internacionalização do audiovisual brasileiro.
Temos uma grande expectativa de que esse projeto também consolide no mundo a certeza de que é possível produzir filmes e séries no Brasil com a mesma qualidade, com o mesmo padrão, com a mesma eficiência técnica que se produz em qualquer parte do mundo.
Essa série tem uma importância não só para a Gullane, não só para a Família Senna, não só para a Netflix, mas para toda a indústria audiovisual brasileira e latino-americana.
6 - Qual é o papel de Fabiano Gullane e Caio Gullane na gestão da produtora?
Um dos maiores segredos do sucesso da Gullane, e da sua consolidação no mercado, é a força dessa parceria dos dois irmãos, do Fabiano Gullane e do Caio Gullane. Eles estão desde o dia zero da produtora juntos, somando esforços para que uma empresa brasileira possa se destacar no contexto brasileiro e no contexto mundial dessa disputadíssima indústria audiovisual. Num primeiro momento da Gullane, eles se dividiam mais em funções específicas: o Fabiano mais focado na área comercial, o Caio mais na área executiva.
Com o passar do tempo, se percebeu que era mais interessante que eles tivessem a frente da supervisão artística e executiva dos projetos, ter contato estreito com as diretoras e diretores, roteiristas, ser uma referência diária junto aos financiadores de cada obra.
Hoje, as funções dos dois são muito parecidas, com um cuidado muito especial com cada uma das obras que a Gullane produz. Os dois se dividem por projetos, mas sempre estão juntos nas decisões estratégicas artísticas e comerciais.
Com o passar dos anos, a equipe da produtora cresceu e foi possível delegar as principais funções executivas, comerciais e corporativas para outros colaboradores.
Caio e Fabiano são fundadores da Academia Brasileira de Cinema, parte da diretoria do Sindicato da Indústria do Audiovisual, do Estado de São Paulo, membros da Câmara Técnica da ANCINE, que se trata de um fórum de discussão das políticas públicas brasileiras, e foram convidados para serem ser membro do Emmy. São membros do FIPCA e membros da Academia do Oscar nos Estados Unidos.
Com uma carreira bastante sólida, foram responsáveis pela produção de 60 filmes e mais de 50 séries produzidas ao longo desses últimos 28 anos.
Hoje a produtora tem uma equipe que é bastante específica nas atribuições, enquanto Caio e Fabiano trazem uma visão mais holística, para os projetos da produtora. O objetivo é que as ideias e colaborações com cada projeto sejam mais efetivas e que a se tenha mais tempo para poder colaborar com cada projeto e com cada uma das estratégias comerciais que se aplicam na Gullane.
Comentarios